sábado, 25 de junho de 2016

DEUS É BRASILEIRO E A EXTREMA DIREITA TAMBÉM

“Não podem se desfazer de mim, eu faço parte de todos vocês!”
Personagem de Hitler no longa adaptado do livro de Vermes

O plebiscito que surpreendeu o mundo na semana passada separou o Reino Unido da União Europeia, numa vitória apertada em que a extrema direita, em nome da xenofobia, venceu a resistência progressista e decidiu os próximos passos do país. Na sequência, entraram com solicitação para separar-se, Portugal da UE e, paradoxalmente, a Escócia em relação ao próprio Reino Unido.

Do lado de cá do oceano, não muito distante dali, Trump avança às finais das eleições Americanas, adepto dos mesmos ideais extremistas, defende o fechamento do território americanos aos latinos. Mas o que esses avanços conservadores têm a dizer sobre contexto atual do Brasil? Muito, não só pela parte que no Globo nos cabe, como pelas tendências extremistas que aqui se manifestam - seja na figura do Dep. Jair Bolsonaro e seus seguidores, seja no fundamentalismo religioso difundido pela Bancada Evangélica.

Quando pensamos historicamente em extrema direita, desenha-se um quadro exageradamente conservador, patriota e preconceituoso em relação a indivíduos e culturas diferentes, ou seja, a pauta dos políticos aliados a Bolsonaro, Feliciano, Malafaia e grande parte da Bancada Evangélica representa em seu ultraconservadorismo o avanço da extrema direita brasileira. No entanto, pensar a projeção dessas figuras isoladamente é um tremendo equívoco, assim como aquele no qual, segundo pesquisas recentes, a maioria dos alemães acredita que suas famílias não foram apoiadoras de Hitler. Voltando ao contexto brasileiro, fica fácil constatar a amplitude do avanço conservador na sociedade - nos cartazes pró ditadura das manifestações do impeachment, ou no respaldo obtido pelo governo interino ao fechar a fronteira brasileira aos refugiados sírios (mesmo após a emblemática foto da criança síria morta na praia ter viralizado nas redes sociais dos brasileiros) – tornando os políticos de extrema direita um mero reflexo de uma fatia social até então legada ao anonimato.

No longa alemão Ele está de Volta, 2015, Hitler acorda no século XXI e percorre o país divulgando suas ideias. A grande surpresa do filme, no entanto, dá-se pelos takes experimentais que incluíram pessoas comuns pelas ruas da Alemanha, as quais foram receptivas à figura do ditador e concordaram em muitos aspectos com o discurso nacionalista e protetor que acabou legitimando o “ultrapassado” III Reich. Ao final da película, existem dois momentos que desconstroem a figura do líder de extrema direita sanguinário e isolado de seu contexto, num deles Hitler lembra que fora eleito e conseguiu governar em meio ao amplo apoio dos cidadãos alemães, no outro o personagem recomeça a ganhar espaço no séc. XXI por meio do mesmo discurso nacionalista, mostrando que vários movimentos conservadores que brotam do atual contexto dariam apoio a uma evolução do IV Reich, e isso se estende ao Brasil.

A questão do avanço conservador, portanto, deve ser analisada como fenômeno amplo e irrestrito, pensar o Brasil como o país da eterna cordialidade, onde os líderes conservadores surgiriam de maneira isolada ou caricata é um grande equívoco, já que, respeitadas as peculiaridades, o que nos une a essas políticas excludentes é muito mais forte - vide o projeto de lei (PL 5358/2016) que pretende a criminalização do Comunismo por ser visão antagônica ao que a direita, tradicionalmente, representa no país, ou os movimentos separatistas que despontam, ora propondo a saída do Brasil do Mercosul, ora propondo a separação de um ou outro Estado no qual o sentimento de superioridade, semente do fascismo, ganha força.

Assim como no Mundo, resta ao Brasil encontrar uma perspectiva menos excludente do que o doloroso caminho proposto pelas políticas de extrema direita. A questão é: como encontrar essa perspectiva se ignorada a complexidade do momento e seus fantasmas insurgentes?! Nesse sentido, a esquerda brasileira tem deixado de ser combativa por ignorar ou demorar a reconhecer as lacunas mantidas por um governo que não promoveu reforma política, privilegiando a mesma casta outrora favorecida pelo direitismo dos Militares, e que, não menos importante, não garantiu a democratização dos meios de comunicação, panfletários da ideologia de direita.



quinta-feira, 23 de junho de 2016

Os retirantes 1944, Candido Portinari

Desabafo

Há dias que não escrevo, estou muda e, atonitamente, observo!
No Brasil:
Mesmo após tantas delações e seus vazamentos insuspeitos,
a massa ainda acredita que a corrupção é culpa do PT.
Mesmo com os juízes entre os mais bem pagos do mundo,
a massa ainda aceita um aumento de 41% em seus salários.
Mesmo com cortes direcionados ao mínimo,
a massa ainda aceita a criação de 14.000 cargos.
Mesmo com um presidente e sua bancada envolvidos na operação Lava Jato,
a massa ainda rejeita a volta da presidente que não está implicada na Lava Jato.
Mesmo com gravações combinando a destituição da presidente,
a massa ainda rejeita que a presidente tenha sido tirada por manobra.
Mesmo com cortes drásticos na Saúde e Educação, mesmo com o preço do feijão,
a massa ainda rejeita que esse governo não lhe representa.
Mesmo com ameaças às leis trabalhistas e com cortes aos aposentados e pensionistas,
a massa ainda rejeita que o neoliberalismo não lhe cai bem.
Pois bem, a vida é feita de escolhas, e talvez o Brasil necessário seja exatamente esse...
Há que se perder todos os direitos e conquistas!
Há que penar muito para perceber o uso e desuso ao qual se presta!
Mas precisava tanto?
A tristeza é imensa, mas hoje, só por hoje, parece que sim...



segunda-feira, 6 de junho de 2016

Não fale em crise, trabalhe

Por que o projeto de Temer precisa da Escola sem Partido?


http://www.paulofreire.org/paulo-freire-patrono-da-educacao-brasileira 

"...Matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade..."

Paulo Freire
(Pedagogia do Oprimido)

Ao pensarmos sobre política nacional, fica difícil crer em coincidências, todos os passos parecem ensaiados para, maquiavelicamente, levar a determinado ponto. Ao suprimir o lema “Pátria Educadora” o governo interino deixa claro a que veio, o “Não fale em crise, trabalhe” é o típico comportamento gerado por sistemas de ensino precários como o da “Escola sem Partido”. Enquanto o mais célebre educador brasileiro, Paulo Freire, defendeu ensinar o aluno a "ler o mundo" para poder transformá-lo, o projeto “Escola sem Partido” reduz esse aluno a um mero receptor da velha educação bancária, com um agravante: o cercear da liberdade do professor sob um crivo que não se coloca de maneira precisa.

A percepção de escola defendida por Freire propõe o desenvolvimento da criticidade do aluno, mas como isso será possível se esse aluno não for exposto ao conflito de ideias ou à pluralidade? Na prática, a “Escola sem Partido” irá tornar o aluno um receptivo dócil de um professor depositário de conhecimentos, num processo alienante e não menos ideologizado, pois quer acomodar o aluno à organização de mundo existente, daí o “Não fale em crise, trabalhe”. Veja que, não se trata apenas de uma pequena mudança na metodologia de ensino, trata-se sobretudo de um projeto de formação de pessoas que não estejam inquietas frente à própria realidade, portanto, a educação deixa de ser libertadora (Freire propõe a educação como forma do oprimido entender sua condição e agir em favor da própria libertação).

Ora, se os atos do governo interino apontam para cortes nos direitos sociais, principalmente na educação que perderá até o percentual de repasse obrigatório da receita, é fundamental uma sociedade que aceite perder esses direitos sem questionar os privilégios dos que exercem o poder. Não só esses, mas outros atos são simbólicos na formação de uma sociedade menos crítica e, por que não dizer, menos informada - não é necessário forçar a memória para lembrar que os primeiros cortes atingiram o Ministério da Cultura e da Ciência e Tecnologia. Outro aspecto importante nesse quebra-cabeça é a pretensão de substituir o ensino da filosofia e da sociologia pelo ensino da religião, sob aspectos criacionistas e unicamente cristãos, suprimindo, por exemplo, matrizes religiosas africanas, ou seja, não há o diferente, então não existe um parâmetro sobre o qual seja preciso refletir ou desenvolver alteridade.

O lema do governo Temer nada mais é do que uma releitura de expressão, provavelmente cunhada na Idade Média, “Ora et Labora”, com a função de garantir que não haja mudanças nas configurações sociais, mantendo-se assim o status quo da pseudo aristocracia brasileira. Então, para que isso seja possível, a educação que não pode ser a de Freire terá de ser a de Frota.